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No aniversário de 3 anos da morte de Moraes Moreira, g1 relembra a Bahia das ‘multidões sem cantor’ retratada pelo artista baiano


Moraes Moreira morreu aos 72 anos, no Rio de Janeiro. No carnaval de Salvador de 2023, artista baiano foi o principal homenageado. Amigo fotógrafo registrou último show de Moraes Moreira
Evandro Teixeira/ Arquivo pessoal
Há três anos, em um dia 13 de abril, a voz marcante de Moraes Moreira se calou para sempre. Há quem diga que da Praça Castro Alves, em Salvador, palco maior do baiano de Ituaçu, se ouviu um “por que parou? Parou por quê?”.
Mas, daquela vez, os versos de protestos com pedidos de providência que compõem o clássico carnavalesco não foram ouvidos.
“Parei porque vi violência. Parei porque vi confusão”, escreveu e cantou Antônio Carlos de Moraes Pires ainda nos anos 80.
No 13 de abril de 2020, diante de um Brasil que ainda vivia os primeiros momentos de uma pandemia que causou a morte de 700 mil brasileiros, fez-se apenas silêncio. O país perdia um dos grandes nomes da música popular brasileira.
Em Salvador, da côncava praça onde “na mão do poeta, o sol se levanta e a lua se deita”, é impossível não sentir diante da estátua de Castro Alves, a presença do primeiro cantor de trio elétrico do carnaval baiano.
Tradicional encontro dos trios na Praça Castro Alves tem Moraes Moreira eo cantor Saulo
Divulgação/Max Haack/Saltur
Três anos depois da morte do cantor e compositor baiano, seu legado, sua história e sua presença seguem mais vivos do que nunca na cidade onde cantou ruas, becos e vielas. Moraes Moreira continua presente em uma Salvador musical e carnavalesca por natureza.
São os sons de Salvador que dizem em cada esquina que enquanto pelas ruas, pelas veias, escorrer o sangue e o vinho, (pelo mangue, Pelourinho), há de haver Moraes Moreira.
Fotógrafo Evandro Teixeira registrou último show de Moraes Moreira, no Rio de Janeiro
Evandro Teixeira/ Arquivo pessoal
Antônio Carlos Moraes Pires nasceu em Ituaçu, cresceu em Salvador antes de seguir para o Rio de Janeiro, onde viveu até o fim da vida.
Na Bahia, o pombo-correio voou e escreveu centenas de músicas. Ainda criança começou a tocar sanfona nas festas de São João, em sua cidade natal, que fica na região da Chapada Diamantina. Na adolescência, ele desenvolveu a habilidade para o violão.
Davi Moraes e Moraes Moreira tocam durante programa Som Brasil em 2009
TV Globo / Zé Paulo Cardeal
Aos 19 anos, foi morar na capital baiana para estudar no Seminário de Música da Universidade Federal da Bahia, quando conheceu Tom Zé, Luiz Galvão e Paulinho Boca de Cantor. Em 1975, Moraes se tornou o primeiro cantor de trio elétrico, ao subir no trio de Dodô e Osmar, e cantar ao lado de Armadinho.
A história mostra que Moraes foi para a música brasileira um elo entre intelectuais, estudiosos da música, poetas e o povo. Por tudo isso, ele fica marcado como o artista que abraçava o erudito e seguia o ijexá do Badauê. E a partir dessa referência, o g1 lembra seis momentos em que as ruas, histórias e celebrações da Bahia foram temas de músicas escritas e cantadas por Moraes Moreira.
‘Chame gente’
A música considerada um hino do carnaval baiano emociona a baianos e turísticas, especialmente em dias de folia. Misturando a poesia e a energia musical que foram marca de sua carreira, Moraes descreveu ao lado de Armandinho Macedo as ruas e a energia do carnaval de Salvador. Bairros como Vitória, Lapinha, Pelourinho, Caminho de Areia, além do tradicional afoxé Filhos de Gandhy estão na letra.
“Do corredor da história, Vitória, Lapinha, Caminho de Areia.
Pelas vias, pelas veias, escorre o sangue e o vinho, pelo mangue, Pelourinho.
A pé ou de caminhão não pode faltar a fé, o carnaval vai passar.
Da Sé ao Campo Grande somos os Filhos de Gandhi, de Dodô e Osmar”
Moraes Moreira anima foliões com ‘Chame gente’ na Barra
‘Cidadão’
A música que dá nome ao disco “Cidadão”, primeiro solo de Moraes Moreira da década de 90, lançado em 1991, destaca a força de uma cidade negra e destinada a ser revolucionária.
A cidade que viu ao longo de sua história levantes como a Sabinada, Revolta dos Malês, dos Búzios é cantada a partir de uma das suas praças mais famosas, a Castro Alves, palco maior de Moraes no Carnaval da Bahia. Moraes destaca a força e o jeito baiano de encontrar alegria mesmo nas situações difíceis.
“Aos pés do poeta, a raça descansa de olho na festa.
E o céu abençoa essa fé tão profana.
Oh! Minha gente baiana.
Goza mesmo que doa.
Abolição!
No coração do poeta cabe a multidão.
Quem sabe essa praça repleta”.
‘Assim Pintou Moçambique’
Em parceria com Antônio Risério, Moraes canta as belezas da Bahia. As praias de Salvador e de Camaçari, na região metropolitana da capital, ganham destaque. Como era comum em sua obra, fortemente influenciada pelo ritmo africano ijexá, Moraes exalta a influência negra na música.
“De Arembepe a Itagipe, da Ribeira a Jacuípe.
Tudo é lindeza. Estrela de quinta grandeza.
Filha de mãe sudanesa.
Tudo é beleza.
Fazendo um som no atabaque, trazendo axé pro batuque.
Cantando um samba de black.
Assim pintou Moçambique”.
‘Festa no interior’
Em um dos seus maiores clássicos eternizados em vozes como a de Gal Costa, que morreu em 2022, e Elba Ramalho, a música escrita em parceria com Abel Silva, retrata para além do interior da Bahia, de onde Moraes surgiu, mas toda a região Nordeste que em junho celebra festejos juninos.
As noites de festa para exaltar o santo são comuns por toda região e ninguém melhor do que o poeta nascido em Ituaçu para eternizar esse momento de um povo.
“Fagulhas, pontas de agulhas
Brilham estrelas de São João
Babados, xotes e xaxados
Segura as pontas, meu coração
Bombas na guerra – magia
Ninguém matava, ninguém morria
Nas trincheiras da alegria
O que explodia era o amor
E ardia aquela fogueira
Que me esquentava a vida inteira
Eterna noite sempre a primeira
Festa do interior”
‘Eu Sou o Carnaval’
Em outro clássico feito em parceria com Antônio Risério, Moraes celebra o carnaval de Salvador. O trabalho do dueto reforça a presença do ijexá na obra. Se Salvador se exibe aos quatro cantos como a cidade do maior carnaval do mundo, foi Moraes quem tratou de carimbar o feito afirmando que na capital baiana, a folia é em cada esquina.
A música foi feita no bairro de Amaralina, em uma casa alugada por Moraes e a então esposa Marília, na rua Ubaranas, o que explica a citação “De Ubarana-Amaralina que alucina a multidão”. A composição ainda exalta o Badauê, afoxé do bairro de Engenho Velho de Brotas, que foi liderado por Moa do Katendê, morto em 2018, após uma discussão política.
“Eu sou o carnaval em cada esquina
Do seu coração menina
Eu sou o pierrot e a colombina
De Ubarana-Amaralina que alucina a multidão
Toda a cidade vai navegar no mar azul badauê
Fazer tempero, se namorar na massa, no massapê”
‘Pessoal do Aló’
A música é mais uma da parceria Moraes-Risério de ‘ijexás elétricos’ e que fazem uso de palavras em iorubá, idioma de uma das maiores etnias do continente africano, que têm forte influência no país, especialmente na Bahia, por conta da descendência de pessoas que foram trazidas da África escravizadas.
Antônio Risério explicou pela primeira vez no podcast ‘Os Carnavais de Moraes’, do jornal Correio, que a música faz referência às lésbicas do candomblé. Aló é como as lésbicas são chamadas no iorubá. A canção é mais uma mostra de como Moraes trouxe elementos da cultura e das tradições afro-baianas para sua obra. A música ainda cita o tradicional “Apaches do Tororó”, bloco de referências indígenas do carnaval de Salvador, e o novamente o afoxé Badauê.
“Alô, alô pessoal do aló, alô
Vai ter auê, Badauê, ebó
Chilique do cacique no Ponto Chique
Atrás do cheirinho da loló
[…]
Vendendo peixe, passando piche
Sou azeviche, Apaches do Tororó
Sou azeviche, Apaches do Tororó”
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