Ex-usuário de drogas relembra quando invadiu hospital e roubou fentanil: ‘Desmaiar e acordar sem saber o que tinha acontecido’

Substância é utilizada em unidades de saúde como anestésico. Centro de Assistência Toxicológica da Unicamp alertou sobre série de intoxicações após misturas com substâncias psicoativas. Unicamp identifica aumento nos casos de intoxicação por fentanil na região de Campinas
Um ex-usuário de drogas de Campinas (SP) relembrou à EPTV, afiliada da TV Globo, o dia em que invadiu um hospital para roubar fentanil. O medicamento é usado como anestésico nas unidades de saúde, mas, se misturado com outros entorpecentes, pode ser até 50 vezes mais viciante que a heroína e 100 vezes mais forte do que a morfina. Ele é o tipo de droga que mais mata nos Estados Unidos.
O depoimento ocorre em meio a um alerta do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox) da Unicamp sobre uma série de casos de intoxicação pelo uso indevido do fentanil na Região Metropolitana de Campinas (RMC) durante os primeiros meses deste ano.
“Acabei entrando numa de entrar em hospitais. Roubava a codeína, a morfina, que são também opioides, e acabei roubando uma vez uma ampola de fentanil. Eu tenho recordações de desmaiar e acordar no dia seguinte sem saber o que tinha acontecido”, relata.
O homem, que não quis se identificar, citou os efeitos colaterais após o uso do fentanil.
“Efeitos colaterais eu tive diversos, muita ânsia de vômito, dores abdominais muito grandes. Hoje em dia eu adquiri um problema estomacal muito grande, uma sequela”, destaca.
Ex-usuário de drogas invadiu hospital para roubar fentanil
Reprodução/EPTV
Perda de consciência e risco de morte
A médica toxicologista Camila Carbone Prado detalha o efeito do fentanil no organismo. Segundo ela, com a perda de oxigenação e consciência, o usuário pode vir a óbito.
“Como o paciente fica com um nível de consciência muito comprometido, ele perde os reflexos que fazem ele respirar adequadamente, manter a oxigenação do sangue, dos tecidos e do cérebro adequada. Com isso, ele vai entrando em um quadro que a gente chama de hipóxia, o que é extremamente perigoso, por isso que quando isso acontece de uma forma grave, pode levar ao óbito.”
Frascos de fentanil
Reprodução/EPTV
Alerta da Unicamp
Ao g1, o Ciatox detalhou que, neste ano, análises detectaram a substância em seis amostras de pacientes intoxicados que buscaram unidades de saúde da RMC. A série de casos em um “curto período de tempo” ligou o alerta, segundo o centro, já que os registros em anos anteriores foram esporádicos.
O medicamento é normalmente misturado em outras drogas com objetivo de potencializar o efeito viciante. Nas análises deste ano da Unicamp, o fentanil foi encontrado junto a substâncias psicoativas como K2, LSD e cocaína, além de um caso de possível aplicação do golpe “Boa noite, Cinderela”.
“Intoxicação por fentanil não é comum no Brasil, não existe o hábito de uso de opioide. Em um curto período de tempo, a gente teve uma série de casos de intoxicação por essa substância. Juntando o fato de não ser comum no Brasil com aparecimento alguns casos, é uma substância potente, que costuma levar à morte e que causa dependência, isso nos chamou a atenção”, disse o coordenador do Ciatox, o Prof. Dr. José Luiz da Costa.
Diante dos casos na região de Campinas, o Ciatox também pediu aos serviços de emergência que monitorem manifestações clínicas sugestivas de intoxicação de pacientes por opioides, como depressões respiratória e neurológica, que podem estar relacionadas ao uso de fentanil.
Além disso, reforçou a importância de que, “em todos os casos de pacientes com suspeita de abuso de SPA [substâncias psicoativas]”, as amostras biológicas sejam coletadas e enviadas para exame toxicológico, antes mesmo do uso de medicações.
O coordenador lembra que o fentanil é utilizado em hospitais como anestésico e que há o risco de as equipes de emergência não identificarem que o paciente usou a substância como droga e administrar ela em casos de entubação, por exemplo. Nesses casos, haveria o risco de um agravamento do quadro.
“É importante, porque o fentanil é um medicamento usado, por exemplo, para entubar um paciente. Então, se alguém fez uso de fentanil como droga, está desacordado, precisa passar por intervenção médica e recebe fentanil como procedimento médico, ele pode entrar numa situação de intoxicação aguda ou mesmo de overdose e morrer”, completa.
Pílulas com dose letal do opioide sintético conhecido como fentanil
Drug Enforcement Administration/Handout via REUTERS
‘Epidemia’ de fentanil nos EUA
Agentes federais de combate às drogas nos Estados Unidos afirmaram ter apreendido fentanil suficiente em 2022 para matar toda a população do país.
O DEA disse que interceptou 379 milhões de doses potencialmente letais de fentanil — apenas dois miligramas do opioide seriam suficientes para matar. O órgão federal classificou a substância altamente viciante como a ameaça de droga mais mortal que os EUA enfrentam.
Em 2021, mais de 100 mil americanos morreram de overdose de drogas, sendo que dois terços das mortes foram atribuídas ao fentanil, o equivalente a 182 óbitos por dia.
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