
Esp\u00e9cie registrada pelo Terra da Gente vive em \u00e1reas de solo pobre, onde vegeta\u00e7\u00e3o leva anos para se regenerar ap\u00f3s desmatamento. Poaieiro-de-chico-mendes (Zimmerius chicomendesi) ocorre em uma \u00e1rea do interfl\u00favio Madeira-Tapaj\u00f3s
\nKenny U\u00e9slei
\nNem sempre as aves vivem onde a gente imagina. Foi justamente essa m\u00e1xima que inspirou o t\u00edtulo do artigo cient\u00edfico que, em 2013, apresentou ao mundo uma nova esp\u00e9cie de tiran\u00eddeo amaz\u00f4nico: o poaieiro-de-chico-mendes (Zimmerius chicomendesi).
\nSegundo o ornit\u00f3logo Glauko Corr\u00eaa, que atua como guia de observa\u00e7\u00e3o de aves na regi\u00e3o, a esp\u00e9cie \u00e9 end\u00eamica da Amaz\u00f4nia e conhecida apenas em uma pequena \u00e1rea na por\u00e7\u00e3o centro-sul da Amaz\u00f4nia brasileira.
\n\u201cEsta \u00e1rea de distribui\u00e7\u00e3o est\u00e1 situada entre os rios Rio Madeira (margem direita) at\u00e9 a margem esquerda do sistema de rios Aripuan\u00e3\/Roosevelt\/Madeirinha, compreendendo parte do estado do Amazonas, Rond\u00f4nia e possivelmente Mato Grosso. Atualmente, os limites de sua distribui\u00e7\u00e3o ainda s\u00e3o mal compreendidos e requerem mais estudos, sendo que h\u00e1 um curioso registro pontual situado na margem direita do rio Aripuan\u00e3, em Apu\u00ed\u201d, diz Glauko.
\nPoaieiro-de-chico-mendes vive em um tipo de vegeta\u00e7\u00e3o rara e fr\u00e1gil chamada campinarana \u2013 ambiente de solo branco, arenoso e pobre em nutrientes, onde a floresta \u00e9 baixa
\nLuciano Lima\/TG
\nPequeno, discreto e bastante seletivo quanto ao seu lar, o poaieiro vive em um tipo de vegeta\u00e7\u00e3o rara e fr\u00e1gil chamada campinarana \u2013 um ambiente de solo branco, arenoso e pobre em nutrientes, onde a floresta \u00e9 baixa, com \u00e1rvores tortuosas e espa\u00e7adas. \u00c9 justamente a\u00ed que a esp\u00e9cie encontra abrigo, alimento e condi\u00e7\u00f5es para sobreviver.
\nOutro ornit\u00f3logo que conduz observadores nessa \u00e1rea \u00e9 Kenny U\u00e9slei. Ele explica que a \u00e1rea de ocorr\u00eancia do poaieiro-de-chico-mendes \u00e9 bem restrita.
\n\u201cJ\u00e1 vi o poaieiro at\u00e9 em \u00e1reas de floresta pr\u00f3ximas, mas sempre em regi\u00f5es de transi\u00e7\u00e3o com a campinarana\u201d, explica Kenny.
\nPoaieiro-de-chico-mendes foi detectado pela primeira vez em agosto de 2009, pelo ornit\u00f3logo Bret Whitney, que registrou sua vocaliza\u00e7\u00e3o
\nGlauko Corr\u00eaa
\nDescri\u00e7\u00e3o recente
\nA esp\u00e9cie foi detectada pela primeira vez em agosto de 2009, pelo ornit\u00f3logo Bret Whitney, que registrou sua vocaliza\u00e7\u00e3o.
\nDois anos depois, em 2011, o pesquisador F\u00e1bio Schunck realizou a coleta cient\u00edfica de exemplares em diferentes pontos ao longo da rodovia Transamaz\u00f4nica (BR-230), no munic\u00edpio de Humait\u00e1, no sul do Amazonas.
\nEsses registros foram fundamentais para a identifica\u00e7\u00e3o e o estudo do material testemunho da esp\u00e9cie.
\nA formaliza\u00e7\u00e3o e divulga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica da nova ave ocorreram em 2013, em um volume especial da obra Handbook of the Birds of the World.
\nPoaieiro-de-chico-mendes foi formalizado como nova esp\u00e9cie em 2013
\nJo\u00e3o Quental
\n\u201cO reconhecimento de uma nova esp\u00e9cie n\u00e3o acontece de forma imediata. \u00c9 um processo que envolve an\u00e1lise minuciosa das vocaliza\u00e7\u00f5es, compara\u00e7\u00e3o com esp\u00e9cimes j\u00e1 conhecidos e estudo de caracter\u00edsticas morfol\u00f3gicas e comportamentais\u201d, explica Glauko Corr\u00eaa.
\nAl\u00e9m de seu valor cient\u00edfico, a esp\u00e9cie carrega um forte simbolismo em seu nome. Ela foi batizada em homenagem ao l\u00edder seringueiro Chico Mendes, reconhecido mundialmente por sua luta em defesa da Amaz\u00f4nia e dos povos da floresta.
\n\u201cA escolha do nome n\u00e3o foi apenas uma homenagem. \u00c9 um lembrete do legado de Chico Mendes e da urg\u00eancia em preservar a floresta e suas esp\u00e9cies, muitas das quais sequer conhecemos ainda\u201d, afirma Glauko.
\nEsp\u00e9cie foi batizada em homenagem ao l\u00edder seringueiro Chico Mendes, reconhecido mundialmente por sua luta em defesa da Amaz\u00f4nia e dos povos da floresta
\nJo\u00e3o Quental
\nAlimenta\u00e7\u00e3o especializada
\nO poaieiro-de-chico-mendes tem uma alimenta\u00e7\u00e3o quase exclusivamente frug\u00edvora, com prefer\u00eancia pelos frutos da erva-de-passarinho (Oryctanthus alveolatus) distribu\u00eddos ao longo da campina.
\nEsse comportamento foi confirmado por observa\u00e7\u00f5es de campo. \u201cJ\u00e1 observei ele comendo essas frutinhas e depois regurgitando as sementes. Apesar de alguns restos de insetos terem sido encontrados em est\u00f4magos analisados, tudo indica que eles s\u00e3o ingeridos acidentalmente\u201d, conta Kenny U\u00e9slei.
\nPoaieiro-de-chico-mendes forrageia silenciosamente entre os galhos e, quando vocaliza, emite sons sutis
\nGlauko Corr\u00eaa
\nEsse padr\u00e3o o diferencia de outros poaieiros \u2013 como o Zimmerius villarejoi, encontrado no Peru \u2014 que capturam ativamente pequenos artr\u00f3podes em voos curtos.
\nNo caso do Z. chicomendesi, o comportamento \u00e9 mais contido: ele forrageia silenciosamente entre os galhos e, quando vocaliza, emite sons t\u00e3o sutis que \u00e9 necess\u00e1rio ter o ouvido muito treinado para localiz\u00e1-lo.
\nDiferen\u00e7as vis\u00edveis e sonoras
\nOutro tra\u00e7o marcante est\u00e1 na vocaliza\u00e7\u00e3o. Embora a esp\u00e9cie seja discreta, quando canta, seu som se distingue claramente dos outros Zimmerius encontrados na regi\u00e3o.
\n\u201cEle \u00e9 menor que o poaieiro-de-pata-fina (Zimmerius gracilipes), que tamb\u00e9m ocorre aqui na Amaz\u00f4nia, e a vocaliza\u00e7\u00e3o \u00e9 a caracter\u00edstica mais f\u00e1cil para diferenci\u00e1-lo, j\u00e1 que \u00e9 bem distinta\u201d, explica Kenny.
\nAl\u00e9m do canto e do tamanho, estudos morfol\u00f3gicos indicam tamb\u00e9m um dimorfismo sexual acentuado: os machos s\u00e3o consideravelmente maiores que as f\u00eameas \u2013 algo incomum entre aves do mesmo grupo.
\nAmea\u00e7as silenciosas
\nApesar de sua recente descoberta, o poaieiro-de-chico-mendes j\u00e1 figura como quase amea\u00e7ado na lista internacional da IUCN. Isso se deve \u00e0 sua alta depend\u00eancia das campinaranas, um tipo de ambiente que est\u00e1 sendo destru\u00eddo em ritmo acelerado.
\n\u201cInfelizmente, \u00e1reas que antes eram negligenciadas, por acumularem \u00e1gua e serem de solo pobre, agora est\u00e3o sendo drenadas para o plantio de soja\u201d, alerta Kenny.
\nApesar de sua recente descoberta, o poaieiro-de-chico-mendes j\u00e1 figura como quase amea\u00e7ado na lista internacional da IUCN
\nJo\u00e3o Quental
\n\u201cJ\u00e1 vi locais onde ele era comum serem totalmente desmatados. E tem ainda o fogo, que \u00e9 devastador. A campinarana leva muitos anos para se regenerar. Cheguei a voltar a uma \u00e1rea onde o poaieiro era sempre observado e estava tudo queimado\u201d, completa.
\nGlauko tamb\u00e9m chama aten\u00e7\u00e3o para a proximidade das \u00e1reas de campina com a rodovia Transamaz\u00f4nica e os riscos associados \u00e0 sua expans\u00e3o.
\n\u201cEssas campinas s\u00e3o extremamente fr\u00e1geis. A abertura de novos trechos ou o aumento do tr\u00e1fego na rodovia podem facilitar atividades como extra\u00e7\u00e3o de areia, explora\u00e7\u00e3o madeireira, avan\u00e7o da agricultura e forma\u00e7\u00e3o de pastagens\u201d, alerta.
\nO que est\u00e1 em jogo
\nA descoberta do poaieiro-de-chico-mendes n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 o registro de uma nova esp\u00e9cie, mas tamb\u00e9m um alerta. Ela mostra como a Amaz\u00f4nia ainda guarda segredos e como a destrui\u00e7\u00e3o de habitats espec\u00edficos pode levar \u00e0 extin\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies antes mesmo que sejam totalmente compreendidas.
\nPoaieiro-de-chico-mendes possui alta depend\u00eancia das campinaranas, um tipo de ambiente que est\u00e1 sendo destru\u00eddo em ritmo acelerado
\nKenny U\u00e9slei
\n\u201cSe a campinarana desaparecer, o poaieiro tamb\u00e9m desaparece\u201d, resume Kenny, que refor\u00e7a sobre a urg\u00eancia de proteger essas ilhas de biodiversidade no meio da floresta.
\nEnquanto isso, a miss\u00e3o dos ornit\u00f3logos Kenny U\u00e9slei e Glauko Corr\u00eaa continua: guiar olhos atentos pelas trilhas de areia branca na esperan\u00e7a de mais um encontro com essa joia da Amaz\u00f4nia.
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