
Em uma \u00e9poca em que a natalidade est\u00e1 em franco decl\u00ednio no Brasil – e em boa parte do mundo -, ades\u00e3o \u00e0 ‘abertura \u00e0 vida’ em determinados grupos cat\u00f3licos tem fomentado inclusive a organiza\u00e7\u00e3o de um mercado, com oferta de servi\u00e7os de doulas cat\u00f3licas, ginecologistas cat\u00f3licos e de m\u00e9todos de planejamento familiar \u201cl\u00edcitos\u201d dentro da religi\u00e3o. M\u00e9dica Melissa Abelha divulga abordagem cat\u00f3lica da ginecologia nas redes sociais
\nArquivo Pessoal\/via BBC
\n“Gr\u00e1vida pela 11\u00aa vez!”, diz um post da mineira Liliane Lopes com a imagem de um teste positivo compartilhada em seu Instagram em fevereiro de 2024.
\nNa publica\u00e7\u00e3o, um “breve hist\u00f3rico familiar”, com a data do casamento com seu marido, Jean, em 2013, do nascimento das seis filhas e das quatro perdas gestacionais.
\n“E agora? Qual \u00e9 o(a) pr\u00f3ximo(a)? Menino ou menina?”, ela pergunta na sequ\u00eancia.
\nFoi um menino.
\nO casal n\u00e3o usa m\u00e9todos contraceptivos. A ideia \u00e9 acolher todos os filhos que Deus “enviar”.
\nEles s\u00e3o cat\u00f3licos “abertos \u00e0 vida”, um perfil que, em uma \u00e9poca em que a natalidade est\u00e1 em franco decl\u00ednio no Brasil \u2014 e em boa parte do mundo \u2014, tem se multiplicado nos \u00faltimos anos em diferentes grupos dentro da Igreja, a grande maioria conservadores e com identifica\u00e7\u00e3o pol\u00edtica com a direita.
\nA escolha costuma se inspirar em uma combina\u00e7\u00e3o entre
\no ensinamento cat\u00f3lico de que os filhos s\u00e3o b\u00ean\u00e7\u00e3os e
\no princ\u00edpio da provid\u00eancia divina, que alimenta a cren\u00e7a de que Deus vai se encarregar de prover a subsist\u00eancia da casa.
\n\u00c9 a ideia de que “primeiro Deus manda os filhos, depois, as condi\u00e7\u00f5es de criar”, repetida por muitos dos adeptos que conversaram com a reportagem.
\nA tend\u00eancia tem fomentado inclusive a organiza\u00e7\u00e3o de um mercado em torno da vida reprodutiva desses casais, com a oferta de servi\u00e7os de doulas cat\u00f3licas, ginecologistas cat\u00f3licos e de m\u00e9todos de planejamento familiar “l\u00edcitos”, termo usado entre os fi\u00e9is para se referirem \u00e0s pr\u00e1ticas aceitas pela religi\u00e3o.
\nNas redes sociais, dezenas de cat\u00f3licos compartilham a rotina de suas fam\u00edlias numerosas e as particularidades de seu estilo de vida.
\nUm dos mais conhecidos \u00e9 o ator Juliano Cazarr\u00e9, que era ateu e se converteu ao catolicismo depois de interpretar Jesus em 2019 no tradicional espet\u00e1culo Paix\u00e3o de Cristo em Nova Jerusal\u00e9m, em Pernambuco, e hoje tem seis filhos.
\n“A gente est\u00e1 aberto a que a vida possa acontecer. Como eu sempre falo: ‘a vida quer viver'”, explicou Cazarr\u00e9, em entrevista \u00e0 TV Globo ap\u00f3s o an\u00fancio de que a esposa estava gr\u00e1vida do ca\u00e7ula em setembro de 2023.
\nSua conta no Instagram tem mais de 3 milh\u00f5es de seguidores.
\nOs influenciadores desse universo promovem desde pr\u00e1ticas comuns entre essas fam\u00edlias, como a leitura de livros com vi\u00e9s cat\u00f3lico sobre maternidade e o papel da mulher na sociedade, a produtos e servi\u00e7os mais mundanos \u2014 um perfil em Santa Catarina, por exemplo, faz publicidade da varejista Havan, com v\u00eddeos da fam\u00edlia de seis filhos nos corredores da loja.
\nLiliane e Jean, por exemplo, dividem nas suas redes sociais a experi\u00eancia de educar os filhos em casa \u2014 o chamado homeschooling, recorrente entre casais abertos \u00e0 vida \u2014 e oferecem seus servi\u00e7os na \u00e1rea da psicologia tomista, uma vers\u00e3o que mistura filosofia e religi\u00e3o, especialmente os ensinamentos de S\u00e3o Tom\u00e1s de Aquino.
\n‘Perguntam se na nossa casa n\u00e3o tem televis\u00e3o’
\nCom o ca\u00e7ula no colo, Jean conta na chamada de v\u00eddeo com a reportagem que a ideia inicial era espa\u00e7ar as gesta\u00e7\u00f5es, para que a fam\u00edlia pudesse se organizar melhor financeiramente.
\nA mentalidade mudou, contudo, depois que o casal trocou Belo Horizonte (MG) por An\u00e1polis (GO).
\nLiliane e Jean, que hoje t\u00eam 42 e 53 anos, se conheceram em um grupo de ora\u00e7\u00e3o de uma igreja ligada \u00e0 renova\u00e7\u00e3o carism\u00e1tica, uma vertente mais recente do catolicismo com pr\u00e1ticas semelhantes \u00e0s do pentecostalismo, como a glossolalia (falar em l\u00ednguas) e a maior presen\u00e7a de m\u00fasica nas missas.
\nQuando se mudaram para o Centro-Oeste, os dois conheceram o catolicismo tradicional e se identificaram mais com essa corrente, que valoriza liturgias antigas como a da missa tridentina, rezada em latim, com o padre de costas para os fi\u00e9is e de frente para o altar.
\nA abertura \u00e0 vida veio depois que eles passaram por um curso de bio\u00e9tica ministrado por um padre que \u00e9 um conhecido ativista antiaborto.
\n“Ele falava que, quanto mais filhos a gente tem, mais Deus aben\u00e7oa aquela fam\u00edlia financeiramente, que vai conseguindo cuidar dos filhos. A gente experimentou isso na pr\u00e1tica”, afirma Liliane.
\nEla diz que os parentes inicialmente ficaram “chocados” com a escolha. “O que \u00e9 normal e esperado, n\u00f3s estamos andando na contram\u00e3o do mundo”, emenda Liliane.
\nCom o tempo, contudo, a fam\u00edlia aprendeu a respeitar o estilo de vida do casal.
\n“Tem tamb\u00e9m o fato de que, quando a gente chega para visitar a fam\u00edlia, n\u00e3o chega com aquele tanto de crian\u00e7a mal-educada, que grita, que estraga as coisas”, ela pontua.
\n“N\u00f3s chegamos em um grupo grande, mas organizado.”
\nMais dif\u00edcil \u00e9 evitar os olhares e coment\u00e1rios de estranhos na rua, que n\u00e3o incomodam pessoalmente os dois, mas geram preocupa\u00e7\u00e3o sobre como s\u00e3o interpretados pelas crian\u00e7as.
\n“Tem gente que pergunta para as meninas: ‘Voc\u00eas s\u00e3o todas irm\u00e3s?’, ‘Na casa de voc\u00eas n\u00e3o tem televis\u00e3o?'”, conta Liliane.
\n“J\u00e1 teve caso de dizerem que \u00e9 irresponsabilidade ter esse tanto de filhos\u2026 As meninas ficam confusas e v\u00eam perguntar para a gente depois.”
\n\u00c9 por isso que eles geralmente evitam sair todos juntos quando n\u00e3o h\u00e1 necessidade.
\nOutra ideia repetida por quem olha a fam\u00edlia de fora e que incomoda Liliane \u00e9 de que ela seria “oprimida” por estar em casa cuidando dos filhos.
\n“Foi uma escolha. Eu, como mulher, tamb\u00e9m posso fazer a minha escolha de querer viver para a fam\u00edlia. Fam\u00edlia para mim \u00e9 importante. \u00c9 um valor que eu tenho”, afirma.
\n“Se outra pessoa n\u00e3o tem isso como valor, n\u00e3o quer ter filhos, \u00e9 uma decis\u00e3o dela, com a qual eu n\u00e3o concordo, mas vou respeit\u00e1-la, da mesma forma que eu quero que ela me respeite.”
\nDo Opus Dei aos carism\u00e1ticos
\nA ades\u00e3o \u00e0 abertura \u00e0 vida tem se dado em diferentes grupos dentro da Igreja Cat\u00f3lica, observa o historiador V\u00edctor Gama, que pesquisa o conservadorismo e a direita dentro do catolicismo brasileiro.
\n“Voc\u00ea tem desde gente que \u00e9 ligada ao Opus Dei at\u00e9 os tradicionalistas ou os mais radicais, como sedevacantistas, defendendo isso”, ele observa.
\nO Opus Dei \u00e9 uma institui\u00e7\u00e3o ultraconservadora fundada h\u00e1 quase um s\u00e9culo na Espanha e hoje presente em diversos pa\u00edses.
\nJ\u00e1 os tradicionalistas fazem parte de um movimento conservador que nasceu a partir da rejei\u00e7\u00e3o das iniciativas de moderniza\u00e7\u00e3o da igreja pregadas pelo Conc\u00edlio do Vaticano 2\u00ba, nos anos 1960.
\nOs sedevacantistas tamb\u00e9m refutam esse cap\u00edtulo recente da hist\u00f3ria da igreja e v\u00e3o um passo al\u00e9m, n\u00e3o reconhecendo o papa como leg\u00edtimo l\u00edder da Igreja (sede vacante em latim significa “cadeira vaga”).
\nA dispers\u00e3o do fen\u00f4meno, para o pesquisador, \u00e9 em parte um reflexo da for\u00e7a crescente das redes sociais como vitrine para determinados temas entre cat\u00f3licos conservadores.
\nO posicionamento contr\u00e1rio da Igreja Cat\u00f3lica em rela\u00e7\u00e3o aos m\u00e9todos contraceptivos “sempre esteve ali”, ele argumenta. As redes sociais foram o ve\u00edculo que deu novo protagonismo ao assunto.
\n“O que elas proporcionam para esses cat\u00f3licos conservadores \u00e9 a possibilidade de ditar qual \u00e9 a pauta do dia”, diz Gama.
\nUma pauta que, nesse caso, ecoa quest\u00f5es prementes entre cat\u00f3licos de regi\u00f5es como a Europa, onde a ret\u00f3rica pr\u00f3-natalidade \u00e9 propagada em meio ao decr\u00e9scimo do catolicismo, \u00e0 redu\u00e7\u00e3o significativa do n\u00famero de filhos por fam\u00edlia e \u00e0 multiplica\u00e7\u00e3o de “outras realidades religiosas”, como o islamismo
\n“Tenho uma impress\u00e3o, olhando as publica\u00e7\u00f5es desses grupos, de que essas pessoas na realidade transp\u00f5em um fen\u00f4meno que n\u00e3o \u00e9 tipicamente brasileiro”, pontua o pesquisador.
\n“Aquilo que eles entendem como amea\u00e7a l\u00e1 seria amea\u00e7a aqui tamb\u00e9m.”
\nOutro grupo em que as fam\u00edlias numerosas t\u00eam se multiplicado no Brasil s\u00e3o as “novas comunidades”, diz \u00e0 BBC News Brasil o bispo Dom Bruno Elizeu Versari, presidente da Comiss\u00e3o para a Vida e a Fam\u00edlia da Confer\u00eancia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), principal organiza\u00e7\u00e3o cat\u00f3lica do pa\u00eds.
\nS\u00e3o associa\u00e7\u00f5es de fi\u00e9is que se re\u00fanem por iniciativa pr\u00f3pria, sem necessariamente estarem ligados a uma par\u00f3quia espec\u00edfica. Esse tipo de organiza\u00e7\u00e3o, com maior participa\u00e7\u00e3o de leigos, foi estimulada pelo Conc\u00edlio do Vaticano 2\u00ba.
\nDuas das mais antigas s\u00e3o a Can\u00e7\u00e3o Nova, fundada em 1978, e a Comunidade Shalom, de 1982, ambas s\u00e3o ligadas \u00e0 renova\u00e7\u00e3o carism\u00e1tica.
\nApesar de a CNBB n\u00e3o ter um registro de comunidades novas, porque elas s\u00f3 precisam da autoriza\u00e7\u00e3o da diocese local para serem reconhecidas, o bispo Versari afirma que elas v\u00eam se multiplicando nos \u00faltimos anos.
\nUm exemplo nesse sentido \u00e9 a Alian\u00e7a de Miseric\u00f3rdia, grupo fundado em S\u00e3o Paulo no ano 2000 e que hoje est\u00e1 em 42 cidades no Brasil e em 8 pa\u00edses com um projeto mission\u00e1rio que atua em dezenas de projetos sociais.
\nO movimento tem 1,1 milh\u00e3o de seguidores no Facebook e quase 1,5 mil membros ativos, que variam entre os que se dedicam inteiramente \u00e0s atividades do grupo (parte da chamada “comunidade de vida”) aos que est\u00e3o pr\u00f3ximos, mas trabalham fora (“comunidade de alian\u00e7a”), e amigos.
\n“Ir contra a abertura \u00e0 vida \u00e9 ir contra o pedido que Deus faz \u00e0 gente de sermos um e de nos multiplicarmos”, diz Vivian Rinaldi, de 53 anos.
\nEla e o marido, \u00c2ngelo Rinaldi de Oliveira, de 58 anos, s\u00e3o um dos casais “consagrados” da Alian\u00e7a da Miseric\u00f3rdia e moram em uma casa que pertence \u00e0 comunidade no interior de S\u00e3o Paulo.
\nA abertura \u00e0 vida, diz ela, \u00e9 um valor compartilhado por todos os membros do grupo. “O objetivo do matrim\u00f4nio \u00e9 procriativo e unitivo”, afirma.
\n“Toda vez que eu me nego a estar junto com meu marido, a ser um com ele, eu quebro esse elo. Toda vez que eu vou contra a vida, usando o m\u00e9todo contraceptivo ou abortando, me negando \u00e0 vida, eu nego aquele que \u00e9 o autor da vida, que \u00e9 o pr\u00f3prio Deus.”
\nPlanejamento familiar ‘aprovado’ pela igreja
\nCom 26 anos de casados, Vivian e \u00c2ngelo t\u00eam quatro filhas. Ela tem talassemia (doen\u00e7a gen\u00e9tica caracterizada por anemia cr\u00f4nica) e precisou espa\u00e7ar as gesta\u00e7\u00f5es para n\u00e3o colocar sua sa\u00fade em risco.
\nPara isso, usou um m\u00e9todo “natural” aceito pela igreja e desenvolvido nos anos 1950 por um casal australiano, o Billings, que busca identificar o per\u00edodo f\u00e9rtil da mulher a partir da observa\u00e7\u00e3o das mudan\u00e7as na apar\u00eancia do muco cervical durante o ciclo.
\n\u00c9 um marco de uma rela\u00e7\u00e3o entre medicina e religi\u00e3o que continuou produzindo ramifica\u00e7\u00f5es nas d\u00e9cadas seguintes.
\nUsando o Billings como inspira\u00e7\u00e3o, nos anos 1980 o m\u00e9dico americano Thomas Hilgens desenvolveu o m\u00e9todo Creighton, que tamb\u00e9m se baseia na observa\u00e7\u00e3o da secre\u00e7\u00e3o cervical, mas leva em considera\u00e7\u00e3o elementos como cor e elasticidade para produzir uma escala e padronizar a leitura do muco.
\nComo \u00e9 usado para identificar o per\u00edodo de ovula\u00e7\u00e3o, o Creighton come\u00e7ou a ser promovido n\u00e3o apenas para espa\u00e7ar as gesta\u00e7\u00f5es, mas tamb\u00e9m como m\u00e9todo para auxiliar os casais que querem engravidar.
\nNesse sentido, passou a ser propagado como alternativa cat\u00f3lica \u00e0 fertiliza\u00e7\u00e3o in vitro, proibida pela Igreja por prescindir do ato conjugal, entre outras raz\u00f5es.
\nCom o intuito de treinar m\u00e9dicos cat\u00f3licos, Hilgens criou um instituto, o Pope Paul VI Institute, localizado em Omaha, em Nebraska, nos Estados Unidos.
\nO nome \u00e9 uma homenagem ao papa Paulo 6\u00ba, autor de uma enc\u00edclica escrita em meio \u00e0 revolu\u00e7\u00e3o sexual dos anos 1960 (Humanae Vitae) reiterando a posi\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria da Igreja a m\u00e9todos contraceptivos \u2014 inclusive aqueles que se popularizavam naquela \u00e9poca, como a p\u00edlula anticoncepcional.
\nNo in\u00edcio dos anos 2000, Hilgens lan\u00e7ou um novo sistema, chamado de Natural Procreative Technology (NaProTechnology), voltado de forma mais ampla para a sa\u00fade da mulher, debru\u00e7ando-se, por exemplo, sobre o sistema hormonal e problemas que podem interferir na fertilidade, como endometriose, ov\u00e1rios polic\u00edsticos e miomas uterinos.
\nM\u00e9dicos cat\u00f3licos e o interc\u00e2mbio Brasil-EUA
\nDesde a funda\u00e7\u00e3o, o instituto diz ter formado mais de 40 turmas de profissionais, entre eles pouco mais de 20 brasileiros, calcula a ginecologista Melissa Abelha, de 45 anos, que passou pelo treinamento em 2018, quando estava gr\u00e1vida da terceira filha. Hoje s\u00e3o quatro.
\nFoi nesse per\u00edodo que ela afirma ter feito a op\u00e7\u00e3o pela abertura \u00e0 vida. A m\u00e9dica estava em seu segundo casamento e havia entrado h\u00e1 pouco tempo para a comunidade Shalom em Bras\u00edlia, onde mora. A escolha, ela diz, veio de um “chamado de Deus”.
\n“Deus me convidava a mudar. Porque eu costumava falar: ‘Eu sou cat\u00f3lica da porta do consult\u00f3rio para fora, da porta para dentro eu sou m\u00e9dica’. S\u00f3 que n\u00e3o existe isso, \u00e9 a sua religi\u00e3o. Ou voc\u00ea \u00e9, ou n\u00e3o \u00e9”, relata.
\nDepois de voltar do curso, ela afirma ter parado de prescrever anticoncepcionais e de fazer fertiliza\u00e7\u00e3o in vitro em pacientes.
\nAbelha faz parte da Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de M\u00e9dicos Cat\u00f3licos, que foi fundada em 2021 e organiza congressos nacionais anuais.
\nSua conta no Instagram, em que divulga a NaProTechnology e uma abordagem cat\u00f3lica da medicina, tem quase 30 mil seguidores.
\nNem todos s\u00e3o religiosos, ela ressalva. Tem muito “natureba” atra\u00eddo pelo fato de que sua pr\u00e1tica \u00e9 toda baseada em tratamentos (para endometriose, ov\u00e1rio polic\u00edstico, irregularidade menstrual, por exemplo) sem horm\u00f4nios, sem anticoncepcionais.
\n‘Sexo \u00e9 divino e orgasmo \u00e9 um presente’
\nOutra mudan\u00e7a que a religi\u00e3o a fez levar “da porta para dentro” do consult\u00f3rio foi a abordagem da sexualidade.
\nHoje, a recomenda\u00e7\u00e3o a seus pacientes \u00e9 a castidade at\u00e9 o casamento e, ap\u00f3s o matrim\u00f4nio, a pr\u00e1tica sexual heterossexual e apenas com o parceiro \u2014 idealmente um \u00fanico por toda a vida.
\nO orgasmo n\u00e3o \u00e9 necessariamente visto como algo ruim, inclusive o feminino. “O prazer \u00e9 algo completamente desejado por Deus. O sexo \u00e9 algo divino. O orgasmo tamb\u00e9m \u00e9 um presente”, diz Abelha.
\n“Afinal de contas, quando a mulher tem rela\u00e7\u00e3o no per\u00edodo f\u00e9rtil, a vagina se adapta melhor ao p\u00eanis, est\u00e1 mais lubrificada, mais vascularizada, e o orgasmo \u00e9 muito mais r\u00e1pido”, completa.
\nMas ele tem que ser a dois, pergunta a reportagem, ou a masturba\u00e7\u00e3o pode ser um instrumento para conhecer o pr\u00f3prio corpo e como ele sente prazer?
\n“O orgasmo sozinho \u00e9 algo ego\u00edsta”, ela responde.
\n“O orgasmo \u00e9 algo viciante, e a partir do momento que voc\u00ea descobre o seu caminho, e a\u00ed quando entra um homem no meio da jogada fica mais dif\u00edcil de chegar l\u00e1, voc\u00ea desvirtua algo que deveria ser a uni\u00e3o das carnes para algo ego\u00edsta, s\u00f3 em busca do prazer.”
\nDe ginecologistas a doulas cat\u00f3licas
\nM\u00e9dicos n\u00e3o s\u00e3o os \u00fanicos profissionais que orbitam em torno das novas fam\u00edlias numerosas cat\u00f3licas.
\nDoulas cat\u00f3licas tamb\u00e9m t\u00eam ganhado espa\u00e7o entre os casais abertos \u00e0 vida. Muitas delas est\u00e3o inclusive reunidas em uma plataforma profissional, a rede Vendeia, que surgiu em 2019 com oferta de servi\u00e7os de todo tipo de profissional cat\u00f3lico, de professores a motoristas e diaristas.
\nHoje, est\u00e3o cadastradas algo entre 200 e 300 doulas, que cobram entre R$ 800 e R$ 2,5 mil pelo pacote de servi\u00e7os prestados, conta o fundador Maycom Gossler, que \u00e9 cat\u00f3lico tradicional e frequenta a missa tridentina em Bras\u00edlia, onde vive.
\n“\u00c9 algo muito novo, de nicho, mas eu sinto que tem uma demanda crescente”, ele opina.
\nAo todo, a plataforma fecha cerca de 15 a 20 contratos de doulas por m\u00eas \u2014 n\u00famero que, na vis\u00e3o do empres\u00e1rio, \u00e9 apenas uma fra\u00e7\u00e3o da realidade do pa\u00eds, j\u00e1 que muitas profissionais trabalham a partir de suas redes informais de contatos, pessoas que indicam seus servi\u00e7os umas \u00e0s outras.
\n\u00c9 o caso da baiana Fl\u00e1via Krummenacher, que mora em Blumenau (SC). Ela \u00e9 originalmente formada em marketing e resolveu trabalhar como doula em 2019, depois de fazer um curso de forma\u00e7\u00e3o com uma enfermeira cat\u00f3lica que passava pela cidade.
\nA abordagem cat\u00f3lica vai desde a educa\u00e7\u00e3o perinatal, feita com o casal, at\u00e9 o momento do parto, embalado por uma trilha sonora de m\u00fasicas religiosas e pelas ora\u00e7\u00f5es que Krummenacher conduz na sala.
\nEm seis anos, ela contabiliza ter prestado servi\u00e7o a cerca de 30 casais, muitos deles mais de uma vez. No in\u00edcio deste ano, auxiliou na chegada do beb\u00ea n\u00famero sete de duas fam\u00edlias.
\nEla, que tem 36 anos, e o marido, Guilherme, de 30 anos, s\u00e3o cat\u00f3licos tradicionais adeptos \u00e0 abertura \u00e0 vida.
\nDesde o casamento, em 2013, Krummenacher ficou gr\u00e1vida oito vezes, com cinco perdas gestacionais e tr\u00eas nascimentos, dois meninos e uma menina. No momento, est\u00e1 fazendo um tratamento de sa\u00fade e espera poder voltar a engravidar em breve.
\n“Quantos filhos mais eu quero ter? A meta \u00e9 dobrar a meta”, ela responde \u00e0 reportagem, dando risada.
\nE conta que, assim como acontece com outros casais abertos \u00e0 vida, os parentes olham com certo estranhamento para o estilo de vida do casal.
\n“[Pra eles] n\u00f3s somos os ‘loucos’, os fora de curva”, diz ela.
\n“J\u00e1 teve briga\u2026 Mas, assim, ningu\u00e9m nunca me deu nada nem criou meus filhos, ent\u00e3o ningu\u00e9m tem que dar palpite em nada.”
\nAfinidade com a direita
\nO c\u00edrculo de conviv\u00eancia e de amigos do casal \u00e9 hoje formado em sua grande maioria por fam\u00edlias numerosas, com uma filosofia de vida e ideologia pol\u00edtica mais parecidas com as deles.
\n“Nessa parte de pol\u00edtica, as fam\u00edlias [abertas \u00e0 vida] s\u00e3o mais conservadoras, de direita. Nunca atendi uma fam\u00edlia que fosse de esquerda”, afirma Krummenacher.
\nN\u00e3o \u00e9 s\u00f3 em Blumenau. Pelo pa\u00eds, nas diferentes vertentes do catolicismo em que v\u00eam se expandindo, os casais abertos \u00e0 vida costumam ter essa afinidade pol\u00edtica.
\nIsso se d\u00e1, entre outras raz\u00f5es, pelo alinhamento em uma s\u00e9rie de temas relacionados a costumes, como a posi\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria \u00e0 legaliza\u00e7\u00e3o do aborto (\u00e0s vezes inclusive nas situa\u00e7\u00f5es hoje previstas em lei, como em casos de estupro), a cr\u00edtica ao feminismo e vis\u00e3o contr\u00e1ria aos direitos de pessoas LGBTQ.
\nOs casais que conversaram com a reportagem destacaram que a grande maioria de seu c\u00edrculo na comunidade religiosa era de pessoas de direita, ainda que muitos ressaltassem que isso n\u00e3o significava ades\u00e3o imediata a pol\u00edticos espec\u00edficos, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
\nA din\u00e2mica reflete, de certa forma, a pr\u00f3pria tradi\u00e7\u00e3o conservadora “muito forte” que caracteriza o catolicismo brasileiro, observa Rodrigo Coppe, coordenador do programa de p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o em Ci\u00eancias da Religi\u00e3o e chefe do Departamento de Ci\u00eancias da Religi\u00e3o da PUC-Minas.
\n“Me parece que n\u00f3s somos uma popula\u00e7\u00e3o que \u00e9 moralmente mais conservadora de maneira geral”, acrescenta Coppe.
\nO historiador pontua que a trajet\u00f3ria do catolicismo, tanto no Brasil quanto de forma global, \u00e9 marcada por fluxos e refluxos ideol\u00f3gicos, com acenos \u00e0 moderniza\u00e7\u00e3o que ensejam rea\u00e7\u00f5es conservadoras e vice-versa.
\nUm sintoma dessa din\u00e2mica foi a vertente mais pr\u00f3xima da esquerda que avan\u00e7ou no Brasil nos anos 1960 e 1970 com a Teologia da Liberta\u00e7\u00e3o, com figuras que participaram inclusive da funda\u00e7\u00e3o do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980.
\nNo momento atual, em sua vis\u00e3o, o que tem aproximado as correntes mais conservadoras do catolicismo da direita \u00e9 o fato de que ambas veem em temas semelhantes males a serem combatidos.
\nEm sua avalia\u00e7\u00e3o, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel dizer se esse alinhamento de agendas chegou a fortalecer o catolicismo e fez crescer seu volume de adeptos, que vinha diminuindo em detrimento das religi\u00f5es evang\u00e9licas.
\nOs dados sobre religi\u00e3o do Censo 2022, que ainda n\u00e3o foram divulgados, v\u00e3o deixar esse retrato mais claro, assim como a dimens\u00e3o do total de brasileiros sem religi\u00e3o, que, para o historiador, tamb\u00e9m \u00e9 uma tend\u00eancia.
\n“Que n\u00e3o significa que eles [apesar de n\u00e3o serem religiosos] tamb\u00e9m n\u00e3o podem ser de direita.”<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Em uma \u00e9poca em que a natalidade est\u00e1 em franco decl\u00ednio no Brasil – e em boa parte do mundo -, ades\u00e3o \u00e0 ‘abertura \u00e0 vida’ em determinados grupos cat\u00f3licos tem fomentado inclusive a organiza\u00e7\u00e3o de um mercado, com oferta de servi\u00e7os de doulas cat\u00f3licas, ginecologistas cat\u00f3licos e de m\u00e9todos… Continue lendo → <\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":5,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"class_list":["post-703593","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-sem-categoria"],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/703593","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/5"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=703593"}],"version-history":[{"count":0,"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/703593\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=703593"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=703593"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=703593"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}