
Programas convertem arquivos de PDF em v\u00eddeos com linguagem de TikTok e imagens gen\u00e9ricas e descontextualizadas, como as dos jogos \u2018Subway Surfers\u2019 e \u2018Minecraft\u2019 . T\u00e9cnica do \u2018c\u00e9rebro podre\u2019: alunos usam app que transforma textos longos em v\u00eddeos curtos
\nImagine a seguinte situa\u00e7\u00e3o: um aluno do ensino m\u00e9dio precisa estudar um cap\u00edtulo de 11 p\u00e1ginas do livro de biologia. No material, h\u00e1 ilustra\u00e7\u00f5es, gr\u00e1ficos e textos detalhados sobre estruturas celulares e transporte de secre\u00e7\u00f5es.
\n\ud83d\udea8A prova \u00e9 amanh\u00e3. O que fazer? Se voc\u00ea pensou no mais \u00f3bvio (ler as 11 p\u00e1ginas), est\u00e1 na contram\u00e3o da nova tend\u00eancia de crian\u00e7as e jovens no exterior: eles usam v\u00eddeos de \u201cbrain rot\u201d (\u201cc\u00e9rebro podre\u201d, em ingl\u00eas) para driblar a dificuldade de concentra\u00e7\u00e3o e deixar o conte\u00fado mais apelativo e resumido.
\nSites e aplicativos espec\u00edficos transformam o arquivo PDF em uma sucess\u00e3o de imagens gen\u00e9ricas, muito estimulantes visualmente e com baixa exig\u00eancia cognitiva, apenas para reter a aten\u00e7\u00e3o dos estudantes. Enquanto isso, um rob\u00f4 “l\u00ea em voz alta” o que estava escrito no texto.
\n\ud83d\udcf1Exemplo: O g1 fez um teste e enviou o cap\u00edtulo de biologia citado acima, retirado de um livro did\u00e1tico, para uma dessas plataformas de intelig\u00eancia artificial. O material foi convertido em um v\u00eddeo de 59 segundos, narrado por uma daquelas vozes autom\u00e1ticas do TikTok:
\n\u201cPOV: voc\u00ea est\u00e1 na aula de biologia, vibe check. Vamos falar sobre a rota secretora. Primeira coisa: a estrela aqui \u00e9 o ret\u00edculo endoplasm\u00e1tico. O rol\u00ea todo \u00e9 uma coreografia celular, bem fluido!\u201d
\nAs imagens que aparecem ao longo dessa narra\u00e7\u00e3o simplificada n\u00e3o t\u00eam absolutamente nada a ver com c\u00e9lulas: s\u00e3o cenas de \u201cSubway Surfers\u201d (jogo de corrida intermin\u00e1vel). Ou seja: para o jovem prestar aten\u00e7\u00e3o ao que est\u00e1 sendo dito (e que j\u00e1 \u00e9 uma vers\u00e3o resumida do conte\u00fado), ele precisa de um est\u00edmulo visual de videogame para manter os olhos na tela.
\n\u27a1\ufe0fSegundo especialistas ouvidos pelo g1, substituir a leitura por esse tipo de conte\u00fado pode gerar uma falsa sensa\u00e7\u00e3o de aprendizado, limitar o desenvolvimento do senso cr\u00edtico, reduzir o vocabul\u00e1rio e piorar ainda mais os dist\u00farbios de foco. (leia mais abaixo)
\n\u201cOs estudantes est\u00e3o com dificuldade de manter a concentra\u00e7\u00e3o em textos longos, principalmente se forem mais densos. Eles se acostumaram a consumir muita informa\u00e7\u00e3o em v\u00eddeos r\u00e1pidos, como no TikTok ou nos reels\u201d, afirma Danilo Torini, gerente de tecnologias do ensino com aprendizagem da ESPM.
\n\u201cAcabam aplicando o mesmo princ\u00edpio das m\u00eddias sociais na aprendizagem: buscam a gamifica\u00e7\u00e3o para liberar a dopamina [horm\u00f4nio da felicidade].\u201d
\nAbaixo, nesta reportagem, entenda:
\no funcionamento dessas plataformas de \u201cbrain rot\u201d;
\nos riscos de usar a t\u00e9cnica do \u201cc\u00e9rebro podre\u201d para estudar.
\n\ud83e\udd14Como as plataformas funcionam?
\nV\u00eddeo gerado por IA mostra conte\u00fados aleat\u00f3rios enquanto reproduz \u00e1udio sobre c\u00e9lulas
\nReprodu\u00e7\u00e3o
\nAplicativos e programas (pagos ou gratuitos) como Coconote, Raena, PDF to Brain Rot e TurnoLearn AI t\u00eam um princ\u00edpio de funcionamento parecido:
\nO aluno faz o \u201cupload\u201d de um arquivo em formato PDF.
\nEm seguida, o site sugere as op\u00e7\u00f5es de v\u00eddeos \u201cbrain rot\u201d: \u00e9 poss\u00edvel escolher entre cenas de videogame (como de Minecraft, de Subway Surfers ou de jogos de basquete, por exemplo), de ASMR (aquelas imagens criadas para gerar sensa\u00e7\u00f5es relaxantes e agrad\u00e1veis ou de memes gen\u00e9ricos) ou de memes aleat\u00f3rios.
\nO sistema, ent\u00e3o, gera um v\u00eddeo cujo \u00e1udio \u00e9 exatamente a leitura em voz alta do que est\u00e1 escrito no PDF. Enquanto o estudante ouve a grava\u00e7\u00e3o e l\u00ea as legendas, o que passa na tela \u00e9 o conte\u00fado \u201cbrain rot\u201d escolhido.
\nResultado: em vez de ler um artigo cient\u00edfico de 30 p\u00e1ginas, o aluno assiste a um v\u00eddeo superficial e estimulante, para conseguir manter o foco por mais tempo. Um texto sobre energia e\u00f3lica, por exemplo, vira um jogo virtual com um bonequinho de LeBron James tentando fazer uma cesta de basquete, enquanto o \u00e1udio explica a for\u00e7a dos ventos.
\n\u27a1\ufe0fObserva\u00e7\u00e3o: Em alguns aplicativos, existe a op\u00e7\u00e3o de pedir uma adapta\u00e7\u00e3o do conte\u00fado. No Raena, por exemplo, o t\u00f3pico \u00e9 resumido e recontado com g\u00edrias de redes sociais. No exemplo dos ventos, o resultado trouxe frases como:
\n\u201cEssa vibe do vento j\u00e1 movimentou muita coisa, antes do rol\u00ea da eletricidade\u201d.
\n\ud83e\udd14Os v\u00eddeos de \u2018brain rot\u2019 podem atrapalhar os estudos?
\nUm conte\u00fado sobre energia e\u00f3lica pode virar uma corrida de caminh\u00f5es entre montanhas
\nReprodu\u00e7\u00e3o
\nAndrea Jotta, do Laborat\u00f3rio de Estudos da Psicologia em Tecnologia, Informa\u00e7\u00e3o e Comunica\u00e7\u00e3o da PUC-SP, afirma que, \u201cdepois da pandemia, os alunos voltaram para a escola ainda mais acostumados ao ensino virtual\u201d.
\n\u201cEles passaram dois anos conciliando v\u00e1rias telas: uma com jogo, outra com aula. Podemos limitar o uso do celular, at\u00e9 por quest\u00f5es de sa\u00fade mental, mas eles v\u00e3o continuar tentando achar sa\u00eddas para tornar o estudo menos entediante. \u00c9 uma tend\u00eancia dif\u00edcil de ser revertida\u201d, diz.
\n\ud83d\udda5\ufe0fTorini, da ESPM, explica que os v\u00eddeos em si n\u00e3o s\u00e3o um problema: tudo vai depender da frequ\u00eancia e do tipo de uso.
\n\u201cPode ser uma estrat\u00e9gia complementar ao estudo tradicional, para ajudar na memoriza\u00e7\u00e3o\u201d, diz o professor. Seria o caso de quem primeiramente l\u00ea o cap\u00edtulo do livro, rel\u00ea as anota\u00e7\u00f5es feitas em aula, reflete sobre o conte\u00fado e, s\u00f3 depois, gera um v\u00eddeo de “brain rot” para fixar o aprendizado.
\nMas, se ocorrer a substitui\u00e7\u00e3o da leitura pelos v\u00eddeos \u2014 como os pr\u00f3prios estudantes relatam nas redes sociais \u2014, haver\u00e1 o risco de consequ\u00eancias como:
\n\u274cFalsa sensa\u00e7\u00e3o de aprendizagem: \u201cS\u00f3 ouvir o conte\u00fado, sem uma intera\u00e7\u00e3o ativa, n\u00e3o \u00e9 suficiente para reter os conhecimentos a longo prazo. Ao anotar ou fazer um exerc\u00edcio, \u00e1reas diferentes do c\u00e9rebro s\u00e3o ativadas\u201d, explica Torini.
\n\u274cSobrecarga cognitiva: S\u00e3o muitos est\u00edmulos \u2014 cores gritantes, cen\u00e1rio din\u00e2mico, agita\u00e7\u00e3o, bonequinhos correndo\u2026. Fica muito mais dif\u00edcil ler\/ouvir o texto com aten\u00e7\u00e3o.
\n\u201c\u00c9 um excesso de elementos visuais muito din\u00e2micos, competindo com a constru\u00e7\u00e3o do conhecimento. N\u00e3o d\u00e1 para parar e refletir sobre o conte\u00fado estudado\u201d, complementa o professor.
\n\u274cSuperficialidade: Os v\u00eddeos de \u201cbrain rot\u201d s\u00e3o simplificados e n\u00e3o desenvolvem habilidades cr\u00edticas de an\u00e1lise e de interpreta\u00e7\u00e3o de texto. O vocabul\u00e1rio usado pelos aplicativos pode parecer mais acess\u00edvel, mas distancia o aluno de outros g\u00eaneros textuais (como o acad\u00eamico).
\n\u274cDificuldade de leitura: A depend\u00eancia de est\u00edmulos r\u00e1pidos, segundo Torini, faz com que o c\u00e9rebro se acostume a conte\u00fados sempre acelerados. A tend\u00eancia \u00e9 que tarefas que exigem maior concentra\u00e7\u00e3o, como a leitura, fiquem cada vez mais desafiadoras para o estudante.
\n\u274cProblemas emocionais: O indiv\u00edduo pode se tornar dependente desse \u201clooping\u201d de v\u00eddeos r\u00e1pidos. Aos poucos, sintomas como decl\u00ednio cognitivo, dificuldade de foco, perda de criatividade, cansa\u00e7o mental e desinteresse por atividades intelectuais podem surgir.
\n\ud83e\udd14Os professores devem intervir?
\nOs especialistas ouvidos nesta reportagem insistem que, por mais que professores e pais fiquem assustados diante dos conte\u00fados de \u201cbrain rot\u201d, o mais indicado \u00e9 \u201ctrazer o assunto \u00e0 tona, em vez de fingir que ele n\u00e3o existe”.
\n\u201c\u00c9 poss\u00edvel incorporar esses m\u00e9todos multimodais de estudo e estimular que eles sejam mesclados com experi\u00eancias de leitura. Eles podem servir para despertar o interesse inicial sobre um assunto ou complementar os estudos \u2014 s\u00f3 n\u00e3o podem ser os \u00fanicos meios\u201d, afirma o professor da ESPM.
\n\u201cN\u00e3o adianta demonizar a intelig\u00eancia artificial nem achar que ela \u00e9 a solu\u00e7\u00e3o dos nossos problemas. Ela \u00e9 s\u00f3 uma ferramenta. \u00c9 preciso ter equil\u00edbrio.\u201d
\nV\u00eddeos
\n\u2018Brain rot\u2019 e ansiedade nas redes sociais<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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